Uma Breve Análise De Dados (Broadband)

Uma Breve Análise De Dados (Broadband)

Hoje em dia, temos uma porção de dados públicos prontos para serem analisados por curiosos conforme a vontade. "Data Scientist: The Sexiest Job of the 21st Century" é o título do artigo de Thomas H. Davenport e DJ Patil, que parece até uma chamada moderna para atrair cliques, não fosse o fato de que o artigo foi publicado na revista de Harvard em outubro de 2012(artigo).

Uma percepção que tenho sobre a análise de dados é que, quanto maior o conhecimento sobre um determinado domínio, maior a probabilidade de se fazer as perguntas certas aos dados que estão sendo analisados. Isso não quer dizer que um cientista de dados não pode analisar dados fora da sua área de conhecimento, mas significa que a melhor pessoa para analisar dados da sua área possivelmente é você mesmo. Logo, aprenda a analisar os SEUS dados e os dados disponíveis do domínio em questão, sejam eles públicos ou privados. Analisar dados se tornou uma tarefa essencial no dia a dia de todos os negócios. A análise pode trazer insights interessantes, determinar a estratégia das empresas, investigar cenários e testar hipóteses. O trabalho que pode ser feito é infinito e mais dinâmico do que parece. Começando com um dataset de n variáveis, depois inserindo mais um dataset e procurando correlações, e assim por diante.

Base de dados

Hoje, vou apresentar algumas formas de como podemos utilizar os dados públicos da Anatel (dados) para avaliar o cenário de Banda Larga Fixa no Brasil. Sempre gosto de reforçar que, nesse domínio de dados da Anatel, conseguimos analisar tendências e não necessariamente o retrato detalhado do mercado.

Caso não esteja familiarizado com o universo de banda larga brasileiro, sugiro ler primeiro outro artigo que publiquei chamado Every Engineering Decision Is a Buying Decision. Nele, apresento um breve resumo dos acontecimentos tecnológicos dos últimos 10 anos no cenário de banda larga brasileiro e mostro um pouco de como chegamos onde estamos hoje.

Analisando

Começando com uma pergunta simples: quantas empresas registram seus dados na base da Anatel? Essa pergunta pode ser respondida com uma query muito simples. O resultado ao longo dos anos seria o gráfico abaixo, onde apresento visualmente a quantidade de empresas que fornecem serviços de banda larga utilizando qualquer meio de tecnologia para conectar seus assinantes. Atualmente, temos 7,923 empresas, o que representa um acréscimo de mais de 28 vezes no número inicialmente computado em 2008. É importante notar que estamos falando dos dados computados pela Anatel. Se buscarmos outras fontes e considerando a "burocracia" para prestar esse tipo de serviço, conseguimos encontrar até 20,763 empresas com CNAE para fornecer esse tipo de serviço aos assinantes.

Quantidade De Empresas De Banda Larga Por Ano

Até onde vamos chegar em quantidade de empresas prestadoras desse tipo de serviço? Para isso, podemos fazer uma avaliação em escala percentual da taxa de crescimento da quantidade de empresas fornecedoras de serviços de banda larga ao longo dos anos. No gráfico abaixo, notem que em 2024 é a primeira vez que temos um número menor de empresas comparado ao ano anterior. Lembra que comentei sobre tendências? No meu artigo "Every Engineering Decision Is a Buying Decision", um dos últimos tópicos que abordo são as fusões e aquisições (M&A) que estão ocorrendo nos últimos anos. Fundos de investimento estão consolidando empresas em uma única base/CNPJ/identidade visual, etc. Como quiserem chamar, a verdade é que isso resulta em taxas de crescimento menores que dois dígitos percentuais e também na redução do número de empresas no segmento.

Taxa de Crescimento Da Quantidade De Empresas Banda Larga

Se temos tantas empresas, também devemos ter clientes, correto? Ao longo dos anos, vimos um crescimento exponencial da conectividade de novos assinantes de banda larga. Em 2007, tínhamos um total de 8,260,540 acessos, e em 2024 já atingimos um total de 48,973,963 assinantes. Esse crescimento representa casas e negócios conectados com acesso à banda larga fixa.

Acessos Broadband Por Ano

Com todos esses assinantes, qual é a quantidade de assinantes por cidade? Em termos de assinantes por cidade, temos para as top 20 cidades em 2024 o resultado abaixo, o que significa que 29.62%, ou 14,506,530, dos assinantes do Brasil se encontram em 20 cidades. Considerando que, segundo o IBGE, temos 5,570 municípios no Brasil, isso significa que 29.62% dos acessos de banda larga estão distribuídos em apenas 0.359% dos municípios brasileiros.

Top Cidades Por Número de Acessos - 2024

Se analisarmos as tecnologias utilizadas para realizar o acesso à banda larga, veremos que a fibra óptica é predominante. Notem como estamos bem atendidos por essa tecnologia através do gráfico abaixo. Atualmente, 71.69% dos assinantes se conectam à internet utilizando redes de acesso com tecnologia de fibra óptica.

Acessos Por Tecnologia - 2024

Obviamente, nem sempre foi assim. Ao longo dos anos, tivemos uma forte aceleração no uso de tecnologias de fibra óptica para terminação/acesso dos assinantes. Se nem sempre foi assim, como foi o crescimento do FTTx/fibra óptica para a ativação dos assinantes?

Evolução de Acessos e da Fibra ao Longo dos Anos

Como isso se reflete em termos de adoção tecnológica do Fiber To The "x" pelas empresas ao longo dos anos para atender seus assinantes? Hoje, 80.19% das empresas prestadoras de serviço utilizam fibra óptica para atender seus assinantes, como ilustram os próximos dois gráficos. Em 2013, quando comecei a trabalhar com Redes FTTx, ouvia-se popularmente o termo "Internet Fibra". Atualmente, "internet" é praticamente sinônimo de fibra óptica. O que antes era um desejo do assinante e um diferencial para conquista de mercado para as empresas, hoje é mais do mesmo.

Evolução de Acessos e da Fibra ao Longo dos Anos
Proporção De Empresas Banda Larga Com Fibra Óptica para Acesso

Dez anos atrás, víamos expansões de redes FTTx de maneira desenfreada e praticamente não calculada, pois realmente existia uma demanda reprimida por qualidade de internet. Atualmente, com tantas redes já instaladas, as novas implantações estão se tornando uma decisão difícil para os empreendedores de redes de acesso.

Se analisarmos as empresas pelo prisma da expansão de cidades ao longo do tempo com FTTx, geralmente significa que estão construindo redes novas com crescimento orgânico, adquirindo operações com base de assinantes instalados (o que seria o crescimento inorgânico), ou utilizando redes neutras. Então, quais empresas estão expandindo em termos de cidades diferentes que atendem seus assinantes? Aqui vamos considerar um período de 16 meses, comparando dados de abril de 2024 com dezembro de 2022, e as empresas mostradas no gráfico representam aquelas que mais expandiram em termos de cidades.

Expansão de Cidades - 16 meses

Qual a quantidade de assinantes que essas mesmas empresas estão conseguindo inserir nas novas cidades? Esse é o gráfico abaixo:

Acessos Nas Novas Cidades - 16 meses

Vejam que a quantidade de cidades novas em termos de expansão não significa necessariamente um crescimento da base de assinantes. É importante notar que, às vezes, com a restrição do domínio de dados, conseguimos chegar até um certo ponto; depois disso, é possível criar hipóteses. Por exemplo, considerando os dois últimos gráficos e conhecendo o mercado de banda larga FTTx, diria que a BRASIL TECPAR possivelmente está realizando um crescimento inorgânico, ou seja, adquirindo operações menores em cidades até então não atendidas, sendo esse um movimento muito comum nos últimos 5 anos, especialmente entre as 30-40 maiores empresas em termos de base de assinantes de banda larga. Já a Vero é uma empresa que passou pelo processo de fusão com a Americanet, por isso o crescimento de cidades e a alta quantidade de assinantes nas novas cidades quando comparada às demais.

É difícil avaliar o que a informação do último gráfico representa sem mais detalhes; invariavelmente, o que podemos obter são apenas "hipóteses não testadas". No livro de Steve Blank, "STARTUP: O MANUAL DO EMPREENDEDOR", ele explica muito bem o que transforma uma hipótese em fato. Resumidamente, é simples: "Vá para a rua!", o que quer dizer que a hipótese só se tornará um fato se os clientes validarem sua hipótese. Por isso, para essa última análise, eu pararia aqui e seguiria com a análise em outra direção.

Podemos voltar para o retrato atual da banda larga sem pensar em expansão e sem considerar a tecnologia. Quais são as empresas com mais assinantes na base? O gráfico abaixo representa essa ideia.

Top Empresas em Assinantes

Mas essa é a base de todos os assinantes de banda larga sem considerar a tecnologia. Como já vimos, 80% dos assinantes já estão conectados através de fibra na última milha. Como fica se considerarmos apenas acessos com tecnologia de "fibra"? O gráfico abaixo vai nos ajudar.

Top Empresas em Assinantes Fibra

Notem como a Claro, no penúltimo gráfico, é predominante em base de assinantes; porém, em termos tecnológicos, ainda que bem posicionada, está em 4º lugar em acessos FTTx com 1,468,883 assinantes. Dos 48,973,963 acessos de banda larga no Brasil, já sabemos que 35,110,591 utilizam FTTx, ou 71.69%. Se pensarmos em uma eventual migração tecnológica da sua base de assinantes, somente a Claro possui 8,616,237 assinantes que podem entrar nessa condição. Pressupondo essa migração para fibra, somente a base da Claro poderia fazer a quantidade de acessos FTTx atingir 43,726,828, ou 89,29%.

Uma outra forma de avaliar o mercado pode ser através da adição líquida de acessos por empresa, ou seja, a representação dos novos acessos adicionados à base menos os cancelamentos de acessos na mesma empresa. Com o gráfico abaixo, é possível visualizar esse parâmetro.

Adições Líquidas

Das 20 maiores empresas em número de acessos no Brasil, temos 3 que tiveram uma adição líquida negativa, significando que saíram mais assinantes do que entraram na base no período entre janeiro de 2023 e abril de 2024. Podemos avaliar essas adições líquidas pelo prisma individual de cada empresa, por exemplo, quanto essa adição líquida representa para a base de assinantes da própria empresa. Veja no gráfico abaixo:

Adições Líquidas % Comparado com base própria - Top 15 ISP 2024

Esse parâmetro é importante para analisar o crescimento individual de cada empresa do ponto de vista de mercado. Pensado nesse ponto de vista também conseguimos avaliar o "Market Share" que cada empresa possui. Começando com os dados de janeiro de 2023.

Market Share - Início de 2023

Já em 2024 temos o seguinte gráfico.

Market Share - Abril 2024

Se compararmos em pontos percentuais, esse é o resultado:

Market Share Pontos Percetuais - 16 meses'

Nota-se que, mesmo as maiores empresas de banda larga do Brasil tendo registrado crescimento nas adições líquidas durante o período de 16 meses analisado, ainda há o parâmetro do Market Share, no qual sete delas perderam uma fatia de mercado. Agora, podemos considerar a liderança sob a perspectiva dos municípios, isto é, em cada município temos uma empresa que lidera em Market Share; então, ao contabilizarmos quantas cidades cada empresa lidera em primeiro lugar, como seria o gráfico das empresas com mais primeiros lugares? Veja abaixo:

Liderança Em Municípios

O que Mais? (Infraestrutura)

Até aqui conseguimos informações tiradas diretamente dos dados da Anatel. O que mais podemos fazer? Essa próxima etapa que vou mostrar me agrada muito, pois eu vim da área de infraestrutura externa e muito do conhecimento adquirido nos projetos de Redes FTTx pode ser aplicado nessa base de dados para derivar mais informações. Bora?

Qual é o tamanho da infraestrutura óptica de acesso no Brasil? Simplificando o raciocínio de como as redes funcionam, podemos avaliar a quantidade de produtos de infraestrutura óptica utilizada para atingir a marca de 35,110,591 acessos no Brasil. Deixa eu descrever um pouco como conseguimos fazer isso.

Premissas Gerais:

  • Ocupação Média: 20.00%
  • Média de Cabo Drop por Assinante: 90m
  • HF: 175,552,955

Explicação

  • A ocupação média de uma rede é a quantidade de rede conectando o assinante dividida pela quantidade de acessos possíveis (projetado) que a rede suporta.
  • A média de cabo drop é a quantidade média do cabo utilizado para ativar um único assinante.
  • HF é um acrônimo de Home Facilities e representa a quantidade de possíveis acessos implantados para atender uma região, no nosso caso, o Brasil. Esse número eu calculei derivando do dado da Anatel de que hoje temos 35,110,591 acessos e que a ocupação média das redes é de 20%. Logo, se realizarmos o cálculo de:

HF = Acessos / Ocupação Média

Temos:

HF = 35,110,591 / 0.20

HF = 175,552,955

Premissas de Infraestrutura:

  • Razão de Divisão da PON: 1x64
  • Splitter 1º Nível (CEO): 1x8
  • Splitter 2º Nível (CTO): 1x8

Explicação

  • A razão de divisão da PON é até quantos assinantes podemos inserir em uma porta PON do equipamento da central da prestadora de serviço de banda larga, ou quantos assinantes poderão estar conectados em uma fibra que sai de uma porta PON.
  • Splitter 1º Nível (CEO): 1x8 é a razão de divisão da fibra que sai da central, onde o primeiro número representa a entrada e o segundo, em quantas fibras aquela fibra de entrada estará dividindo a potência do sinal.
  • Splitter 2º Nível (CTO): 1x8 é a razão de divisão da fibra que chega em uma caixa que fará o acesso aos assinantes através dos cabos drop. O primeiro número representa a entrada e o segundo, em quantas fibras aquela fibra de entrada estará dividindo a potência do sinal.

A ideia não é explicar 100% das redes ópticas neste artigo, pretendo fazer isso em outro momento, mas a imagem abaixo pode ajudar um pouco com a visualização do que estamos quantificando nesses cálculos.

Diagrama FTTx

  • Portas PON: 2,743,015
  • Caixas de Distribuição (1º Nível): 2,743,015
  • Caixas de Acesso (2º Nível): 21,944,119
  • Drop Instalado: 3,159,953,190m

Para cada PON, conseguimos atender até 64 assinantes no modelo de topologia proposto inicialmente. Isso significa que, para atender os 175,552,955 HFs implantados no Brasil, precisamos de:

PON = HF / Razão de Divisão da PON

Temos:

PON = 175,552,955 / 64

PON = 2,743,015

Assim como nas portas PON, para calcular a quantidade de splitters de 1º nível, utilizamos o mesmo raciocínio, pois temos 1 splitter de 1º nível para cada porta PON. Então, simplificando a metodologia para encontrar a quantidade de caixas de emenda óptica (CEO) instaladas no Brasil, utilizando a razão de 1 para 1 (1 splitter de 1º nível e 1 CEO), temos:

CEO: 2,743,015

Para caixas de acesso, temos que considerar que cada caixa com splitter 1xN representa N Home Facilities. Logo, a quantidade de CTO é quantificada pelo total de HF dividido pela razão de divisão da fibra do 2º nível. Para o nosso modelo de topologia, ficaria:

CTO = HF / Razão de Divisão CTO

Temos:

Drop = 35,110,591 * 90

Drop = 3,159,953,190 metros

Obviamente, essa parte de infraestrutura não é absoluta, pois temos muitas premissas que impactam diretamente o resultado, como a taxa média de ocupação de rede, a razão de divisão da PON e o padrão de topologia na distribuição de splitters. Como disse antes, o intuito do artigo é instigar a curiosidade de como podemos fazer perguntas aos dados disponíveis.

Uma última linha de raciocínio que gostaria de trazer é sobre o churn e seu impacto nas redes ópticas. Escrevi um artigo: Decifrando o Churn: Entendendo, Medindo e Combatendo a Perda de Clientes, no qual me aprofundo um pouco mais sobre essa variável tão importante em termos de serviços recorrentes. Em resumo, churn é a representação da quantidade de cancelamentos em um período dividida pela quantidade total de clientes no início desse período. Se pensarmos que as empresas de telecomunicações possuem um churn de aproximadamente 1% ao mês, podemos obter alguns insights. Sabemos que a base de assinantes cresceu ao longo dos anos, a quantidade de empresas utilizando fibra aumentou e os assinantes tiveram mais opções de troca de prestador de serviço com tecnologia de fibra. Temos assinantes se tornando churn de uma prestadora de serviço e os mesmos assinantes se transformando em adições para outra prestadora. Estimando com as premissas inseridas, temos 351,106 assinantes cancelando em uma prestadora de serviço de banda larga e se transformando em novos clientes para outra. Considerando uma média de 90m de cabo drop para ativar um assinante, temos que, ao longo do mês, 31,599,540m de cabos são "inutilizados" devido ao churn, mas o mesmo assinante consome outros 90m de cabo em outra prestadora.

Conclusão

Como disse no começo do artigo, é possível ir inserindo novos dados, novas ideias, e a melhor pessoa para extrair informações de um domínio de dados é quem entende o que esses dados representam. Obviamente, trabalhei com poucas premissas na última etapa do artigo, mas para aqueles que possuem uma base de dados para analisar, espero ter encorajado a se aprofundar e ver informações emergirem desses dados brutos. Simplifiquei muitas informações e abstraí outras para este artigo, mas a ideia do blog é disponibilizar as maluquices que faço.