Do Aço ao Código: O Desafio Estratégico das Empresas Industriais na Era do Software

Do Aço ao Código: O Desafio Estratégico das Empresas Industriais na Era do Software
Intro:

Depois de ler esse artigo da McKinsey"What it takes for industrial companies to unlock software value" resolvi escrever um artigo para oxigenar as ideias, vale ler o artigo completo escrito por eles.

A afirmação de que "toda empresa é agora uma empresa de tecnologia" já se tornou um clichê no mundo dos negócios. No entanto, para o setor industrial - historicamente ancorado na excelência da engenharia de hardware, na precisão da manufatura e em ciclos de vida de produtos que duram décadas - essa transição representa um dos maiores desafios estratégicos do nosso tempo.

Não se trata apenas de adicionar uma camada de software a um produto físico. Trata-se de uma reinvenção fundamental da cultura, do modflo operacional e da própria forma como se cria e entrega valor ao cliente. Um recente e detalhado artigo da McKinsey, intitulado *"What it takes for industrial companies to unlock software value"*, disseca essa complexa jornada e aponta que o sucesso depende da maestria em cinco domínios interconectados.

A seguir, vamos mergulhar em cada um desses pilares para entender por que a ponte entre o mundo físico e o digital é tão difícil de construir.

1. Repensando a Gestão de Produto: De Recursos a Resultados

No universo industrial tradicional, a gestão de produto é frequentemente sinônimo de engenharia de produto. O foco está em especificações técnicas, cronogramas de fabricação e na entrega de um ativo físico. O sucesso é medido pela conclusão do projeto no prazo e no orçamento.

O mundo do software opera sob uma lógica radicalmente diferente. A pergunta-chave não é "o que vamos construir?", mas sim "qual problema do cliente estamos resolvendo?". A gestão de produto de software é orientada a resultados (*outcomes*) e não a entregas (*outputs*). O valor não está no código em si, mas no impacto que ele gera para o usuário, medido por métricas como engajamento, retenção, satisfação (NPS) e adoção de funcionalidades.

Para uma empresa industrial, essa mudança exige que gerentes de produto desenvolvam uma profunda empatia pelo cliente, passem a realizar pesquisas constantes e validem hipóteses através de MVPs (Produtos Mínimos Viáveis), antes de investir em ciclos de desenvolvimento longos e caros.

2. O Imperativo do Talento: Mais do que Contratar, é Preciso Reter e Integrar

Atrair talento de software já é um desafio global. Para empresas industriais, que competem com a cultura vibrante e os benefícios das big techs e startups, a tarefa é ainda mais árdua. No entanto, o verdadeiro desafio não é apenas a contratação, mas a criação de um ambiente onde esse talento possa prosperar.

Engenheiros, designers e gerentes de produto de software estão acostumados a trabalhar em ambientes ágeis, com autonomia, ciclos rápidos de feedback e um impacto visível de seu trabalho. Inseri-los em estruturas hierárquicas, processos burocráticos e uma cultura avessa ao risco é a receita para o fracasso e para uma alta rotatividade.

A solução passa por criar carreiras técnicas (não apenas gerenciais) atraentes, proteger as equipes de software da burocracia corporativa e, mais importante, integrar seu trabalho de forma significativa com as equipes de hardware, garantindo que ambos os lados se vejam como parceiros na criação de uma solução unificada.

3. A Arquitetura Tecnológica como Habilitadora

Muitas empresas industriais tentam construir seu futuro digital sobre fundações tecnológicas do passado. Sistemas legados, arquiteturas monolíticas e infraestruturas locais não foram projetados para a velocidade, a escala e a flexibilidade que o software moderno exige.

A construção de um tech stack de ponta é um pré-requisito não negociável. Isso significa:

  • Arquitetura baseada em microsserviços e APIs: Permite que as equipes trabalhem de forma independente e que novas funcionalidades sejam lançadas sem impactar todo o sistema.
  • Adoção da Nuvem (Cloud-Native): Oferece escalabilidade, resiliência e acesso a serviços avançados de dados e inteligência artificial.
  • Infraestrutura de Dados Robusta: O software gera um volume massivo de dados. É crucial ter a capacidade de coletar, processar e analisar esses dados para extrair insights e alimentar a tomada de decisão.

Sem essa base, qualquer iniciativa de software ficará presa em um pântano técnico, incapaz de entregar valor na velocidade que o mercado demanda.

4. A Revolução do Modelo Comercial: De Transações a Relacionamentos

Vender uma turbina ou um trator é fundamentalmente uma transação. Vender software é iniciar um relacionamento. O modelo de negócio precisa refletir essa mudança.

A indústria está se movendo de um modelo de venda única (Capex) para modelos de receita recorrente (Opex), como o Software as a Service (SaaS). Isso muda tudo:

  • Precificação: O preço deixa de ser baseado no custo do hardware e passa a ser baseado no valor entregue, muitas vezes em formato de assinatura.
  • Vendas e Marketing: A equipe comercial precisa aprender a vender resultados e soluções contínuas, não apenas produtos. O foco muda de fechar um negócio para garantir o sucesso do cliente a longo prazo (Customer Success).
  • Métricas de Sucesso: O foco sai da margem de lucro por unidade e vai para métricas como Custo de Aquisição de Cliente (CAC), Valor do Tempo de Vida do Cliente (LTV) e taxa de evasão (Churn).
5. O Modelo Operacional: Quebrando os Silos para Acelerar a Inovação

Talvez o pilar mais crítico e mais difícil de mover seja o modelo operacional. A agilidade exigida pelo software colide diretamente com os processos lineares e em cascata (waterfall) que governam o desenvolvimento de hardware.

A solução é a adoção de um modelo operacional verdadeiramente ágil e integrado. Isso significa:

  • Equipes Multifuncionais: Reunir especialistas de hardware, software, produto, vendas e marketing em esquadrões (squads) focados em resolver problemas específicos do cliente.
  • Quebra de Silos: Garantir que a comunicação e a colaboração entre as diferentes áreas da engenharia sejam fluidas e constantes. O software não pode ser uma ideia que surge "depois" que o hardware está pronto.
  • Governança Empoderadora: Descentralizar a tomada de decisão, dando autonomia para as equipes definirem seus próprios backlogs e executarem seus planos, desde que alinhados aos objetivos estratégicos da empresa.
Conclusão: Uma Transformação Cultural, Não Apenas Tecnológica

Como aponta a análise da McKinsey, destravar o valor do software no setor industrial é menos sobre a tecnologia em si e mais sobre uma profunda transformação cultural e organizacional. Exige que líderes tenham a coragem de desafiar dogmas que construíram seus impérios, a humildade para aprender com um setor que opera com regras diferentes e a visão para integrar o melhor dos dois mundos.

A jornada do aço ao código é longa e complexa. No entanto, para as empresas que conseguirem construir essa ponte, a recompensa não será apenas a sobrevivência, mas a liderança na próxima era da indústria. A questão não é mais se essa transformação é necessária, mas como e com que rapidez ela será executada.

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